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sábado, maio 21, 2011

Corações.


          Ele tinha uma coisa esquisita no peito.  Um sentimento que não sabia descrever. E quebrava outros corações para sobreviver, alimentava-se disso. Sanguinário indeciso. Com sutileza, andava pelas ruas como quem nunca viveu nada que fizesse a vida ter sentido. Sentou-se em um banco qualquer, se perdia em meio ao alaranjado que o sol de fim de tarde trazia. Sentiu alguém se aproximando, olhou para o lado. Uma garota sorria para sua direção encostada em uma árvore qualquer. Olhou para os lados, era a única pessoa presente ali. Ela estaria mostrando os dentes, naquela estranha maneira de dizer que gostou, logo para ele? Ignorou-a. Direcionou o olhar para outro lugar na esperança que ela saísse de lá. De nada adiantou. A garota aproximou-se.
          - E aí? – Perguntou com ar de quem se importava.
      - Bom e você? – Respondeu abaixando a cabeça lamentando-se. Queria solidão, não gostava de pessoas.
          -Uhum.
           Ela sentou-se ao seu lado, mesmo sem convite, apenas por simpatizar-se. Alguns minutos sentados lá permanecendo em silêncio intocável. Quase se ouvia o mosquito pairando em torno do poste de luz. Os olhos curiosos da garota olharam-no novamente, gostou ainda mais. Ele, ao ver novamente aquele sorriso estranho formar-se, questionou:
           - O que foi? – Sempre seco a cada conjunto de poucas palavras que mencionava.
        - Nada, você é diferente dos outros caras. Não sinto medo de permanecer ao seu lado. Não sinto medo do que você vai pensar.
          Ele estranhou a fala de sua atual companheira de banco. Estava acostumado à pessoas que tremeriam apenas de vê-lo passar pela rua. Mas não a disse nada a respeito. Rendeu assunto: - Corajosa você. Porque medo dos outros?
        - Porque eles parecem sempre me julgar. – Sorriu mais uma vez, porém com jeito de sorriso que esconde lágrimas no fundo.
           - Sei como é. – Começava a criar um tipo engraçado de simpatia a qual não conseguia explicar.
          A garota do banco de fim de tarde encantava-o com seu jeito de nunca parar de falar. Ele não sabia o que sentia. Era algo diferente. Algo que despertava uma pequena parte de seu lado humano. Acreditava ter o perdido há anos. Mas com ela, naquela tarde que virava noite, Ele sentiu-se vivo. Ela não se importava se ele a ouvia. Ela falava e falava e falava. E ele simplesmente amava. Depois de horas ali, mais uma pergunta surgia:
          - Alguém já machucou seu coração?
          - Meu coração? Sou um monstro tão congelante. Acho que não possuo isso.
        - Mas é claro que possui. Existem pessoas que por dentro são frias como noites de julho, eu não as sinto. Senti-lhe a quilômetros. Você sem dúvidas, tem um dos melhores corações que já vi.
          Um sorriso esbranquiçado, meio inexplicável, abria-se na face daquele sombrio garoto. Ele não sentia-se mais como um monstro devorador de almas. Sentia-se vivo por um instante. Porém lembrou-se do que é na verdade: - Cuidado comigo, corajosa garota. Você está enganada quanto a quem sou.
          - Sei quem você é. – Soltou uma risada que estava presa, ofendendo um pouco aquele que se sentava a seu lado. Completou a conversa: Eu sei que você não irá me machucar.
          - Como pode ter tanta certeza?
          - Porque você esta começando a se apaixonar.
       - Hum... Ousada cada vez mais em suas respostas. Porém não sei o que são sentimentos, não me apaixonaria por alguém como você. Irritante, corajosa e com um coração tão lindo.
          - Esta vendo? Apaixonado.
         Corou as bochechas e perguntou baixo: - E você, o que sente por mim para que insista em permanecer aqui?
          - Amor.
      Ele não sabia muito bem o que fazia, nunca sentira nada como aquilo antes. Mas, aproximou-se lentamente da garota. Passou lentamente a mão por ser queixo, escorregando até a orelha e parando em sua nuca. Sentindo o coração saltitar por dentro, estava cada vez mais próximo de sua boca. Porém, deu-lhe um beijo na testa, foi até seu ouvido, sussurrou que a amava. Só então beijou-a com tudo o que sentia. Contradizendo o que muitos falam, o ato fez com que ela apaixonasse ainda mais.
         E por lá ficaram o resto da noite. Não se sabe ainda explicar muito bem, mas dizem por ai que a garota das muitas palavras, pode ter despertado o garoto amável que existia por trás da figura amargurada que se perdia nas ruas.

sábado, maio 14, 2011

Linhas de amor.


A rua estava lotada de carros e uma senhora estava sentada em um banco na porta de um antigo prédio abandonado. Ela ficava ali observando quem ia e vinha naquela imensa correria. Deveria ter o que? Setenta e oito, oitenta anos nas costas. Uma garota sentara ao seu lado, assim, sem dizer nada. E a observara. Começaram a conversar, a senhora contou-lhe toda a história de sua vida, que havia crescido em uma família rica e que trocara tudo por um amor que os pais não aceitavam. Que abandonara dinheiro para ter felicidade. Porém que certa vez arrependera da escolha, não reconhecendo os sorrisos que aquela vida trazia. Que havia voltado para a casa de seus pais e prometido nunca mais procurar o rapaz. E ele sempre tentava manter contato, telefonava, enviava cartas, ia até sua casa, mas ela estava decidida que não o amara mais. Os anos passaram, junto deles, as cartas foram parando e ela sentindo cada vez mais falta dele. Resolvera procurá-lo à alguns anos, tudo o que encontrou foram notícias de que ele falecera após uma vida inteira amando de longe. A garota, agora emocionada com a história, levantou-se do banco com um certo ar determinado. A senhora colocou a mão sobre seu ombro e disse:
- Seja quem for o seu amor, corra atrás, diga que o ama, segure sua mão e cuide de seu coração. Eu não corri para os braços do meu e hoje estou aqui, enlouquecendo com toda essa dor. Não cometa o mesmo erro, minha querida.
A menina, segurou as mãos daquela vivida mulher de cabelos grisalhos.
- Preciso ir, obrigada por tudo. Agora, se ele passou a vida a amando e você ainda o ama, estiveram todo esse tempo ligados pela alma, ele ainda esta com você.
As duas sorriam enquanto a garota se perdia em meio à multidão que transitava na rua.
Agora em uma rua mais calma, completamente diferente da que estava há poucos minutos, a menina suspirava, talvez de medo, talvez de raiva. Aproximou-se de uma gigantesca casa que parecia estar ali a mais tempo do que ela podia contar. Abriu o enferrujado portão sem fazer muito barulho.  Bateu três vezes na porta. Nem um mosquito parecia estar vivo. Virou de costas retomando a trajetória até o portão. Uma voz vindo do jardim a fez arrepiar:
- Oi?
Ela não pensara duas vezes, sairá correndo em meio a todos aqueles vasos e flores, pulara agarrada ao pescoço daquela voz única e congelante.
- Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. – Repetia três vezes com lágrimas nos olhos.
O garoto a abraçara com as mãos sujas de barro.
- Estava plantando essas rosas para você. Pretendo fazer com que elas durem pra sempre. Assim poderei lembrar-me do seu sorriso a cada vez que regá-las.
- Porque não olha para o meu sorriso enquanto as rega?
- Porque você vai partir esqueceu-se? Você mesma me disse ontem que estava cansada dessa cidade, dessa vida...
- Mas você irá continuar aqui. E eu posso ir para qualquer lugar do mundo que será terrível sem você.
Ele pegou-a pela mão e foram entrando para a cozinha. Ela, como sempre, não parava de falar:
- Amor, conheci uma senhora hoje que nossa, é a cara daquela foto antiga que tem em cima da lareira daqui da casa que era do seu vô...
Ele pegou-a pela cintura, deu-lhe um beijo e disse:
- Será que você não para mais de falar não?
Começaram a rir. E depois de um café foram terminar o jardim. E provaram a cada dia um ao outro que o amor pode sim trazer a felicidade em si.