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segunda-feira, setembro 18, 2023

Vinte e outros

Hipnotizada pelo papel, esperei pela crise dos meus vinte e oito chegar.
Ela não veio.
Talvez porque na verdade ela venha todos os dias.

A vida está resolvida.
Acordo às oito, dou comida para as cachorras, passeio pelo jardim, passo um café e preparo um ovo mexido. Ouço um pássaro cantar lá fora, vou para o escritório, me conecto ao mundo por uma tela. Ignoro a ligação de algum cliente insistente. Retorno a ligação, faço almoço, vejo meu maridinho, assisto alguns tiktoks... Trabalho mais um pouco, passeio com as cachorras, faço janta. Opa, já é hora de dormir. Amanhã faço tudo igual. Com pequenas variações de reuniões presenciais ou ligações que não posso ignorar.

A vida é calma e resolvida.
Mas só até minha próxima crise existencial, onde desejarei ter cursado medicina. 

A vida é calma e resolvida.
Mas só até o dia que não terei dinheiro para a fatura do cartão.

Equalizar

Li em algum lugar que, a cada vez que lembramos de alguém ou alguma coisa, apagamos um pedacinho dela da nossa memória. Eu me odiei por alguns segundos por todas as vezes que me lembrei de você. Meus planos eram te carregar na memória pelo resto da vida, mas em meia década meus planos escorreram pelos dedos. Você tem desaparecido. Eu não consigo mais me lembrar do seu rosto, apenas de pequenos relapsos dele. Me lembro do seu bigode com as pontas ridiculamente arqueadas para cima. Me lembro do seu nariz, e de como você dizia que ele era simétrico (e você estava certo). Me lembro do seu cabelo, que caía na testa toda vez que você despretensiosamente balançava a cabeça para se pentear. Hoje em dia, o bigode não tem mais pontinha, o cabelo não é mais longo, o joelho não faz mais barulho ou a costela não é mais quebrada... Mas uma coisa eu me recuso a esquecer. Dos seus olhos âmbar que encontravam com os meus. Essa noite me despedi de vários fantasmas que ainda pairavam sobre mim, mas sobre você eu quero me lembrar. Aqui dentro, os sentimentos, sempre de amor, ganharam novas formas de amar. Aqui dentro, você será sempre lembrado como um pedacinho do que era estar em casa, quando as piores tempestades pareciam me assustar. Sobre o quão grande e forte eu posso ser sozinha. E sobre o quão bom pode ser falar de besteiras ouvindo os sapos coaxar. Eu não me lembro mais tão bem sobre você, mas eu me lembro sobre como você me fazia sentir. Eu me lembro do melhor primeiro encontro já feito e também da pior festa sertaneja que poderia existir. Eu me lembro da valsa mais solitária que já dancei e da melhor cerveja que já tomei. Eu me lembro de três meses que pareceram durar anos. E me lembro de como foi assistir todo esse sentimento se transformar e ser guardado em um lugar tão bom que quero revisitar por muitos anos. 

Eu me lembro de partir e me lembro de você deixar. 

Eu me lembro de equalizar o amor.
E de te guardar.

Que você esteja bem, vivendo uma vida boa, leve e tranquila... E que, às vezes, se lembre de uma frequência que só a gente sabe.

Daquela minha vida

 A poesia não postada tem um lugar diferente na alma.

É uma verdade só minha, protegida de olhares curiosos.


Você, 

que ainda lê essa página esquecida pelo tempo e pelo peito, 

não me conhece mais.

Eu talvez não me conheça mais. 

Mas ainda, sou minha e não mais sua.


Dito isto, essa página também é minha.

E diferentemente de mim, ela nunca foi sua.


Outro dia descobri que sou fruto do terceiro decanato de virgem. 

E assim solucionei os mistérios sobre o amor.

Em resumo, vivo a vida em troca de amar.

Não que seja alguma novidade, mas

é uma explicação não muito longa sobre os motivos que já me levaram a aventurar por aí...

De peito aberto e sem muito medo de errar.

Acreditando a cada esquina que o amor da minha vida estava lá.


Talvez o amor da minha vida realmente estivesse.

Daquela minha vida.


E é por isso que essa página nunca te pertenceu.

Ela foi minha enquanto percorria cada um daqueles amores que encontrei pela vida.

E no fim, ela ainda é apenas sobre mim.


Essa noite são vinte e oito

E eu sei que quando piscar, serão muitos e oito.


A vida é leve

E voa como as folhas da aroeira pelo nosso jardim.


A vida é leve

Apesar do sorriso não ser mais tão leve assim.


A vida é leve

E minha.